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Fred Forest - Retrospective
Sociologic art - Aesthetic of communication
Exhibition Generative art - November, 2000
Exhibition Biennale 3000 - Sao Paulo - 2006
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DIFFERENT TEXTS
1 - Synthetisis note on the activities of Fred Forest
2 - Manifests Sociological Art (1974) and Aesthetics of the Communication (1983)
3 - The Aesthetics of the Communication by Fred Forest (1983)
4 - For an Aesthetics of Communication - Fred Forest
5 - The Video family by Fred Forest (1976)
6 - Learn to watch TV through the radio by Fred Forest and Pierre Moeglin (1984)   
7 - Why present his candidacy for President of the Bulgarian TV by Fred Forest (1991)

 

FRED FOREST, OU A ARTE DA IMPLICAÇÃO


Pierre Lévy, Filósofo


Há alguns séculos já, o fenômeno artístico no ocidente se apresenta aproximadamente da maneira seguinte : uma pessoa (o artista) assina um objeto ou uma mensagem particular (a obra) que outras pessoas (os destinatários, o público, os críticos) percebem, apreciam, lêem, interpretam, avaliam. Qualquer que seja a função da obra (religiosa, decorativa, subversiva...) e sua capacidade de transcender toda função rumo ao âmago de enigma e de emoção que nos habita, ela se inscreve dentro de um esquema de comunicação clássico. O emissor e o receptor são nitidamente diferenciados e seus papéis perfeitamente distribuídos.


Entretanto, o meio-ambiente tecno-cultural emergente suscita o desenvolvimento de novos tipos de arte, ignorando a separação entre emissão e recepção, composição e interpretação. Certos artistas, como Fred Forest, exploraram o possível aberto pela mutação em andamento, trabalharam para evidenciar a variedade de suas riquezas. Este possível é frágil: ele poderia perfeitamente fechar-se de novo um dia. Mas ele também poderia representar o futuro da criação artística, ou melhor, seu além. Esta nova forma de arte (ou de não-arte, mas pelas convenções continuaremos a utilizar o antigo vocábulo) impele o que precisamente não é mais um público, a experimentar outras modalidades de comunicação e de criação.


 Em vez de emitir uma mensagem para receptores externos ao processo de criação, e convidados a dar sentido posteriormente, o artista tende aqui a constituir um meio, um mecanismo de comunicação e de produção, um evento coletivo que envolve os destinatários, que transforma os pensadores de hermenêutica em protagonistas, que coloca a interpretação em um circuito em paralelo com a ação coletiva. Sem dúvida as " obras abertas " já prefiguram esta orientação. Porém elas ficam presas no paradigma hermenêutico. Os receptores da obra aberta são convidados a preencher os brancos, a escolher entre os possíveis significados, a confrontar as divergências entre suas interpretações. Mas trata-se sempre de magnificar e de explorar as virtualidades de um monumento inacabado, de rubricar um livro de ouro sob a assinatura do artista. Contudo, a arte da implicação não constitui mais a obra no sentido clássico, até mesmo uma obra aberta ou indefinida: ela faz emergir processos, ela quer abrir uma carreira a vidas autônomas, ela introduz ao crescimento e à habitação de algum mundo. Ela nos insere dentro de um ciclo criativo, dentro de um meio vivo do qual já somos todos co-autores. Work in progress? Ela desloca o acento do work em direção ao progress. Suas manifestações poderão ser relacionadas a momentos, a lugares, a dinâmicas coletivas, mas não mais a pessoas. É uma arte sem assinatura.


Já no final dos anos 60, Fred Forest fabrica " máquinas de implicar ". Estas máquinas convidam as pessoas a participar de uma aventura, a se tornarem criadores junto com outros. Fragmentos de suas próprias imagens, rastros de seus gestos são integrados aos fluxos informacionais que tratam a disposição da comunicação. Não existe mais "espectadores" separados, distanciados. Ao contato do dispositivo, as pessoas são aspiradas dentro de um evento comum, presos em um processo que se alimenta de suas reações. É graças a esta utilização da energia viva dos participantes que, às vezes, acaba emergindo um ser autônomo escapando totalmente do mostrador do dispositivo. Comunicar é criar comunidade. O resultado (ideal) do protagonista (esperado) dos eventos suscitados pela arte da implicação são intelectuais ou " imaginantes coletivos ".


 Os dispositivos de comunicação de Fred Forest não são feitos para emitir, mas, essencialmente, para ouvir. A arte do branco: repentinamente, a T.V. e o rádio ouvem, os cartazes não comportam inscrição alguma, a fita cassette é virgem, o jornal pede para o leitor escrever, a tela é furada. O evento chega pelo silêncio provocando difusão, pela ruptura da exposição.


 Decerto, vamos encontrar emissão nas montagens de Fred Forest, mas, na maior parte do tempo, isto existirá exclusivamente para desempenhar uma das três funções seguintes: ridicularizar os emissores surdos, provocar a resposta ou restituir o que foi ouvido. No momento da restituição compreendemos porque a mensagem estava em branco, porque ela estava se esquivando: a obra residia mesmo na resposta coletiva e não onde nossos reflexos a esperavam. Tal poderia ser a fórmula da "arte da implicação": suscitar a obra em vez de impô-la.


 


A obra "se sustenta" por si mesma, ela possui uma certa densidade de existência. A obra está onde aparece o real. Ela tende à autonomia. Esta abordagem não limita mais a obra às mensagens, palavras ou formas estáveis. Tornam-se obras também : eventos, processos, situações, climas afetivos, dinâmicas de grupo, configurações espacio-temporais efêmeras etc. Se os dispositivos de Fred Forest trabalham a extensão, o grau e a qualidade da implicação das pessoas, eles têm como finalidade fazer com que aflore uma situação de risco, não controlada, aberta, na qual poderá desenvolver-se uma dimensão da autonomia. Ouvir e restituir: isto constitui sem dúvida o duplo gesto psicoterapêutico por excelência. Só podemos colocar em dúvida suas virtudes estéticas se admitirmos seu poder de curar. Mas tenhamos cuidado de não aplicar os critérios de julgamento da obra clássica à arte da implicação. O objetivo não é avaliar nem mesmo apreciar uma mensagem separada, mas sim viver uma situação, participar de um evento. Ou melhor, só podemos apreciar uma obra participando dela e, portanto, nos tornando parcialmente autores desta obra. Ou estamos envolvidos (e então parcialmente responsáveis), ou não temos nenhum acesso ao que ela propõe de essencial: só viremos a ter conhecimento da obra pelo que ouviremos de terceiros.


Portanto, no sentido estrito da palavra, a obra nem se encontra no dispositivo de comunicação. Precisamos pensar este dispositivo como uma brecha na inércia do cotidiano, um vazio dentro do qual uma dinâmica coletiva poderá emergir. A meu ver, Fred Forest alcança o máximo de sua arte quando ele consegue suscitar verdadeiras inteligências coletivas. Ultrapassando a separação organizada pelas mídias e as instituições, as pessoas implicadas em suas montagens comunicacionais vão se concertar, se coordenar, inventar e brincar juntas, fabricar repentinamente comunidade, e até mesmo, como nos “miradors de la paix” [postos de observação da paz], fazer ouvir uma voz coletiva.


 Forest não nos mostra a terra dos indivíduos vista do alto, fotografada por um satélite. Ele nos convida a medir ativamente seu diâmetro, a apertar mãos por telefone, a dançar em volta do mundo em uma ronda eletrônica. Quando fomos participar de algumas de suas instalações telefônicas, foi um pouco como se tivéssemos segurado, todos juntos, a terra entre nossos braços medindo sua rotundidade com nosso corpo coletivo.


 


Esperamos que o caminho da pesquisa inaugurada por Fred Forest e alguns outros conduzirá um dia a formas de arte inéditas, que nos farão progredir ainda mais na constituição de intelectuais ou de “imaginantes coletivos”. Mais especificamente, os recursos do ciberespaço nos permitirão talvez suscitar comunidades capazes de elaborar linguagens. Quanto a isso, a obra clássica é como uma aposta. Quanto mais ela transmuta a linguagem que a veicula, seja esta musical, plástica, verbal ou outra, mais seu autor corre riscos: incompreensão, ausência de reprise. Mas quanto mais o valor da aposta é importante - o grau de derretimento ou de fusão alcançado pela linguagem – mais o resultado se torna atraente : faz evento na história da cultura. Contudo, este jogo de linguagem, esta aposta na compreensão e no reconhecimento, não é reservado exclusivamente aos artistas. Cada um de nós, dentro de nossa esfera, tão logo nós expressamos, começamos a produzir, reproduzir e fazer com que a linguagem se modifique. De enunciados singulares em escuta criativa, as línguas surgem e derivam assim no longo curso da comunicação, veiculados por milhares de vozes que se interrogam e se respondem, se arriscam, se provocam e se decepcionam, lançando palavras, expressões, acentos novos no abismo do não-sentido.Com isso, um artista pode, quando ele o captura, fazer evoluir um modo de expressão herdado de gerações anteriores. Tal é, aliás, uma das principais funções sociais da arte: participar à invenção contínua das línguas e dos signos de uma comunidade. Mas o criador de uma linguagem é sempre um coletivo.


 Radicalizando a função clássica da obra, a arte da implicação poderá colocar em tensão grupos humanos e lhes propor máquinas de signos que vão lhes dar a possibilidade de inventar suas linguagens. Mas, alguém vai me dizer : estas linguagens, nós as produzimos desde sempre. Sem dúvida, mas sem tivermos consciência de fazê-lo. Para não estremecer ante nossa própria audácia, para mascarar o vazio debaixo de nossos passos, ou talvez unicamente porque esta aventura era tão lenta a ponto de se tornar invisível, ou ainda por que ela envolvia uma multidão em marcha demasiadamente numerosa, preferimos a ilusão do fundamento. Mas pagamos esta ilusão com o sentimento de fracasso. Confundidos ante a língua de Deus, superados pela transcendência do Logos, exangues se comparados às irradiações arrebatadoras do artista, imperfeitos de acordo com a correção das escolas, carregando o peso das línguas mortas, desfalecemos ante a externalidade da linguagem. Como já o sugerimos, a arte da implicação se quer terapêutica. Ela convida a experimentar uma invenção coletiva da linguagem que se reconheceria como tal. Com isso, ela aponta em direção à própria essência da criação artística.


Fora da esfera de sua vida e de seus interesses onde estão imersos, longe de suas zonas de competência, separados uns dos outros, os indivíduos "não têm mais nada para dizer". Toda a dificuldade consiste em pegá-los - no sentido emocional como no sentido topológico - em grupo, a envolvê-los em uma aventura na qual eles sentirão prazer em imaginar, explorar, construir juntos alguns meios sensíveis. Apesar das tecnologias do vivo e do tempo real desempenharem seu papel neste empreendimento, o próprio tempo do coletivo “imaginante” transborda de todos os lados a temporalidade entrecortada, acelerada, quase pontual da "interatividade". A insuficiência do imediato, do zapping sem memória, tampouco nos remete às longas cadeias da interpretação, à infinita paciência da tradição que envolve na mesma duração as idades dos vivos e as idades dos mortos, e que faz a água viva do presente trabalhar à edificação de um muro contra o tempo: da mesma maneira que as madréporas edificam recifes de corais, os comentários, estrato após estrato, se transformam sempre em objeto de comentários.


A arte da implicação não considera como garantidos nem o tempo nem o espaço. E com um bom motivo: ela os produz. Veremos nos processos desenvolvidos por Fred Forest como todos as artimanhas da comunicação são convocadas para cruzar temporalidades heterogêneas, evocar impossíveis ucronias, suscitar simultaneidades equívocas, urdir entre as durações inextricáveis circularidades. Em tal instalação, o que acreditávamos ser o passado revela-se ser o presente. Ali, o presente já era passado. Aqui, o futuro parece agir sobre o presente. Em outro lugar ainda, as épocas interpenetram-se e colorem-se mutuamente. Percorreremos esta retrospectiva em linha de Fred Forest como um manual de alquimia espacio-temporal.


Como já dissemos, a arte da implicação não focaliza a obra no sentido clássico mas sim o evento. Ela valoriza o presente, o efêmero, o prazer, a vida. Mas paradoxalmente esta orientação vem acompanhada de um tipo de obsessão do rastro. O rastro é como a sombra do evento. E Fred Forest parece dedicar-se a colocar em evidência esta parte obscura da ação: o fascínio do registro quando renunciamos à memória. Na passagem pelo limite, o evento pode precisamente reduzir-se ao vécu de um evento como rastro, ou ao rastro. Tão logo ele se conheça por cinza, o fogo já não queima com a mesma chama. Seu futuro do passado vem corroer o presente. O registro termina condicionando tudo. A posse do objeto (de arte ?) substitui o prazer efêmero. E finalmente, além de todos seus trânsitos de temporalidade, Forest parece alvejar um tempo muito arcaico, um tempo de antes da história, um retorno àquela época na qual os rituais (mágicos, religiosos, artísticos ?) faziam as estações, os anos e os ciclos. Como se estivéssemos novamente naquele instante fabuloso, de antes das origens, quando a história ainda não tinha começado a transcorrer.


O evento coletivo decorre sempre, em parte, de um tempo subjetivo, emergindo " fora do tempo ", impossível de ser correlacionado ao relógio ou ao calendário. O último objetivo da arte da implicação talvez seja cultivar este tempo da subjetividade coletiva. Para uma arte do futuro, o ritmo do "imaginante coletivo" suscitado pelo evento seria muito semelhante ao ritmo de uma dança muito lenta. Ele decorreria de uma coreografia em câmara lenta, na qual os gestos se ajustariam pouco a pouco, se responderiam com infinita precaução, na qual os dançarinos descobririam progressivamente os tempos secretos que vão colocá-los em fase, deslocá-los. Cada um de nós aprenderia com os outros a entrar em uma sincronia tranqüila, tardia e complicada. O tempo do coletivo inteligente se desenrolaria, se turvaria e então, calmamente, se formaria de novo, como o desenho sempre recomeçado do delta de um grande rio. O “imaginante coletivo” nasceria por ter o tempo de inventar a cerimônia que o inaugura. E seria conjuntamente a celebração da origem, e a própria origem, ainda em via de ser decidida.


Correlacionada ao relógio ou ao calendário, a temporalidade do "imaginante coletivo" poderia parecer diferida, interrompida, explodida. Mas tudo se decidiria nos recantos obscuros, invisíveis, do coletivo: a linha melódica, a tonalidade emocional, a batida secreta, as correspondências, a continuidade que ele estabeleceria no próprio âmago das pessoas que o compõem. A arte da implicação descobre o “antes” da música. Como erguer uma sinfonia a partir do tumulto do múltiplo ? Como passar - sem partitura prévia – da barulheira de uma multidão a um coro ? O intelectual coletivo questiona continuamente o contrato social, ele mantém o grupo no seu estado preliminar. Paradoxalmente, isto necessita de tempo, tempo para implicar as pessoas, para tecer os vínculos, para fazer aparecer os objetos, as paisagens comuns; e voltar sempre a tudo isto. Uma duração e meios com os quais não pode contar hoje o artista da implicação. Ele cumpriu de modo maravilhoso sua função de explorador, de estimulador, ele indicou os possíveis, e agora, ele passa adiante o bastão. Quem o pegará ? Ele gostaria que o círculo dos dançarinos se alargasse. Então, quem vai concordar em deixar ir?

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