YVES
KLEIN E FRED FOREST AVENTUREIROS DO IMATERIAL (trecho)
Pierre
Restany
Paris,
novembro de 1994)
Crítico
de arte
Ao
termo de um percurso de 25 anos, e que tomei gosto à seguir
ab ovo, para assim dizer, a minha reflexão sobre imenso
o trabalho realizado por Fred Forest toma uma dimensão cada
vez mais profunda, estrutural, exemplar. Fred Forest, apareceu
no panorama do questionamento artístico no momento em que a
Europa e a América do Norte, o Ocidente industrializado, vivia
a sua grande crise estrutural, ou seja, em Maio de 68. Sabemos
muito bem hoje em dia que Maio de 68 não era uma simples crise
da juventude no que diz respeito à sua cultura e a forma como
lhe comunicava-se esta cultura, mas o sintoma premonitório de
uma mudança radical da sociedade e do sistema de produção. É
nesse momento que a comunicação mudou de finalidade, ou adquiriu
uma nova consciência do seu território, de sua autonomia, de
sua virtude crítica et da sua virtude de despertar a atenção,
no que diz respeito à sociedade em geral, no que diz respeito
ao público de maneira mais ampla. O papel da comunicação e de
seus instrumentos, dos seus meios tecnológicos, teve uma função
capital e determinante nesta passagem de uma sociedade industrial
moderna à sociedade pós-industrial pós-moderna.
A intervenção de Fred Forest é precisamente
contemporânea dessa aceleração da história das mídias. E é
aliás por um fenômeno puro e simples de apropriação que ele
embarca nessa aventura da arte sociológica. Ele se tornou
um pioneiro da vídeo-arte na França, e o domínio deste meio
extremamente flexível lhe permite intervir em grupos sociais
diferentes. Muito rapidamente, dado o interesse crescente
que a sociedade em transição dá ao tecido social como um todo
e nos seus pontos extremos, a reflexão ativa de Fred Forest
se fará sobre a natureza mesmo do meio social, da sua estrutura,
e é nesse momento, no fim de toda uma série de contatos e
pesquisas, pois as ideias estavam no ar no início dos anos
70, que se forma o Colectivo de arte sociológica.
Fred Forest ressalta um problema e é nisso
exemplar. É certamente o artista que soube detectar, no momento
exato em que esses problemas se apresentaram, a importância
da comunicação, não como uma série de sistemas destinados
a apreender o real, mas como um volume, um território autônomo
onde a auto-expressividade se normaliza ao contato de outros
participantes numa mesma situação social. E creio, de fato,
que é para Fred Forest a ocasião constante, incessantemente
renovada, de manifestar a sua normalidade na indiferença.
Pois Fred Forest é duplamente indiferente, ou seja radicalmente
diferente... Ele o é em relação aos artistas ditos "clássicos"
que continuam a pintar sobre o cavalete, por exemplo, empregando
os óleos adequados, as cores correspondentes, e é também diferente/indiferente
em relação aos puros e simples especialistas da informação.
Esta normalidade na diferença, ela se caracteriza pela, o
que me parece ser a maior qualidade de Fred Forest, sua abordagem
do humano. Há em todos os dispositivos de intervenções, em
todas suas simulações do real, uma dimensão fundamental do
humano que o situa numa mesma distancia entre o artista e
o especialista da comunicação. A aventura de Fred Forest se
faz nesse registro do humano. De um humano que atingimos por
diversos meios técnicos tomados dos modos de comunicação mas
que não teriam nenhum sentido se eles fossem somente destinados
à gravar tal ou tal situação. A humanidade em Fred Forest
é interativa. Ela corresponde à uma necessidade, à um desejo
extremamente forte de fazer participar as pessoas à operação.
Ela corresponde também à um certo tipo de humanismo da maioria
que é baseado na dignidade, no amor do homem. E creio que
a melhor prova deste humanismo afetivo é precisamente a resposta
do público aos questionamentos, às estimulações de Fred Forest.
Todos esses dispositivos de intervenção foram acolhidos de
maneira positiva e criam uma simpática corrente de adesão
em massa, sem reservas. A repercussão do dispositivo de Fred
Forest não é comparável com a da maior parte dos sistemas
de comunicação, como aliás de muitas outras mensagens artísticas.
É aí onde intervem mais uma vez o paradoxo espaço-tempo, o
verdadeiro território artístico de Fred Forest é o espaço-tempo
do esquecimento. Basta se referir à sua bibliografia para
se dar conta quais foram as repercussões de cada uma de suas
ações e Deus sabe que são várias. E ao mesmo tempo, as pessoas
têm de Fred Forest uma imagem muito esquemática, como quem
frequentemente não iria até o fim das coisas. Ele é uma espécie
de aventureiro que explora as margens opostas e antagônicas
da comunicação, publicidade, jornalismo e uma experimentação
artística. Creio simplesmente que este paradoxo é o efeito
de uma lógica interna do trabalho de Fred Forest. De fato,
ele segue a lógica das duas margens. Brinca sem reservas e,
mais uma vez, com a manifestação que ele tem deste amor do
homem, pois o que conta para Fred Forest é, creio, estar em
harmonia com ele mesmo e sobretudo considerar que a seu procedimento
não é gratuito, que não tem por finalidade tal ou tal memória,
ou tal ou tal gravação, mas que a sua finalidade é precisamente
operar neste suplemento de alma na ação humana que provoca
a brusca interrupção do tempo que é o resultado da sua intervenção.
Este amor do homem que ele encontra no tempo presente é permanente
nas suas acções. E pode se dizer que Fred Forest é um esteticista
da comunicação, é precisamente por referência a um princípio
ativo de humanismo de massa. A noção de uma comunicação cuja
diferença é normalizada pelo amor do homem sublima o estilo
de Fred Forest: ela se revelará cada vez mais capital a medida
que mudaremos de cultura, de civilização com o nosso novo
projeto de sociedade pós-industrial. É provável que as transferências
entre o escrito e a memória e os da tela e do esquecimento
mudarão sem dúvida de orientação, forma e dosagem. Na perspectiva
cada vez mais fluida da comunicação pós-moderna, Fred Forest
fará ainda figura de pioneiro na medida em que soube se adaptar
a tempo.Yves Klein havia previsto a grande aventura do imaterial
e ele mesmo tinha se aventurado no vazio. O vazio de Klein
é o vazio de uma verdade alquímica que também é ligeiramente
mais verdadeira que natural. No meio do vazio, neste vazio
cheio que é o do cosmos e o do espaço intersidéral, o da fundação
do universo, neste vazio, Yves Klein tinha o habito de dizer
"há um fogo que brilha e um fogo que queima". Esta
metáfora poderia ser aplicável também ao grande aventureiro
da comunicação que é Fred Forest. Ele sabe que no coração
do vazio imaterial da comunicação, há um fogo que brilha,
é o do tempo presente da intervenção, e há um fogo que queima,
é o esquecimento. Eu acredito pessoalmente, com uma grande
esperança, no trabalho de Fred Forest, na medida em que penso
que a segunda fase do seu trabalho e de sua reflexão, a sua
estética da comunicação leva a um humanismo de massa fundamental
que é a chave de nossa própria salvação terrestre e cósmica.
^ |